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Mensagem do Cardeal Dom Tolentino aos educadores

09/10/2023
Por  ANEC Comunicação

Em comemoração ao Dia do Educador, a ANEC compartilha com cada educador, que é verdadeiro agente de transformação, moldando mentes e corações e contribuindo para a construção de um futuro melhor para nossos alunos e para a sociedade como um todo, mensagem proferida pelo Prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação em Roma, Cardeal Dom José Tolentino, na ocasião do VI Congresso Nacional de Educação Católica, aos educadores. 

Nesta minha saudação, queria partir e comentar uma palavra do Santo Padre Papa Francisco num discurso frequente aos educadores. Ele dizia: “numa época saturada de informação, frequentemente transmitida sem sabedoria nem sentido crítico, a tarefa de formar as gerações presentes e futuras de professores e estudantes católicos é mais importante do que nunca”. Isso é bem verdade porque a tarefa de um educador neste tempo, que não apenas é composto por tantas mudanças, mas representa verdadeiramente uma mudança de época, é mais importante do que nunca. E, na sua fala, que eu quero aqui comentar em apresentação, o Santo Padre foca muito na dimensão sapiencial do trabalho do educador e faz lembrar aquelas perguntas que o poeta T.S. Eliot  se colocava: “onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?”. Vivemos verdadeiramente uma época saturada de mensagens, mas há uma perda, no sentido da verdadeira sabedoria e do verdadeiro conhecimento. Que podemos fazer? Diz o Santo Padre: “como educadores, sois chamados a alimentar o desejo de verdade, bondade e beleza que habita no coração de cada pessoa, para que todos possam aprender a amar a vida e abrir-se à sua plenitude”.

Eu queria deter-me um pouco nesta expressão tão bela: “educadores, sois chamados a alimentar o desejo”. Isso fez-me pensar numa crônica do grande pedagogo brasileiro, Rubem Alves, intitulada A arte de produzir fome. Ele diz uma coisa curiosa, citando a poeta Adélia Prado. “Adélia Prado me ensina Pedagogia. Diz ela: ‘não quero faca nem queijo, quero fome. O comer não começa com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho fome, é inútil ter queijo, mas se tenho fome de queijo e não tenho queijo eu dou um jeito de arranjar’”. Responde Rubem Alves: “sugeri, faz muitos anos, que, para entrar numa sala de aula, alunos e professores deveriam passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos educadores, pois sabem que os banquetes não começam com a comida que se serve. Eles iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome”. Penso que a palavra do Santo Padre corresponde muito a estas ideias de Adélia e de Rubem Alves. Para o educador, a sua tarefa prioritária é acender o desejo. Por isso, não é apenas uma transmissão de um conhecimento, mas é trabalhar as disposições da própria pessoa, acendendo nela a fome, a sede, a vontade de conhecimento e daquela aventura humana que o conhecimento significa. É muito importante, por isso, que o educador seja um mestre do desejo. Saiba interpretar bem a pessoa humana, a conheça, para criar nela não apenas uma colagem de conceitos, mas a capacidade de acolher a experiência integral do conhecimento. Rubem Alves dizia: “conhecimentos que não são nascidos do desejo são como uma cozinha maravilhosa na casa de um homem que sofre de anorexia”. Não podemos falar de comida, de cozinha, de pratos maravilhosos a um anoréxico. Temos de criar o desejo do nutrimento e, de outra forma, o banquete não será servido. Já Miguel de Unamuno dizia: “saber por saber, isso é inumano”.

A tarefa do educador não só é transmitir saberes, é criar, no educando, a possibilidade de ser protagonista de uma aventura humana integral, onde o conhecimento tem, de fato, um papel vivo. Depois, diz o Santo Padre: “isso implica esta arte de criar desejos, implica da parte dos educadores formas inovadoras”. O educador tem de arriscar formas inovadoras, de combinar as pesquisas com as melhores práticas, para que os educadores possam seguir a pessoa num processo de desenvolvimento humano integral. Assim, é muito importante um encontro como este da ANEC, é extremamente oportuno, porque o professor não pode viver do dia de ontem. O dia de ontem não nos basta. O educador se alimenta do futuro. O educador está sempre começando. O educador partilha, integra aquelas que são as melhores práticas. O educador coloca perguntas, habita estas perguntas, ainda quando elas são exigentes. O educador sabe que o seu trabalho é fundamentalmente uma construção, e uma construção não tem ponto final. O trabalho de um educador não tem ponto final, no máximo tem vírgula, tem dois pontos, tem hífen, travessão, mas, ponto final, não tem, porque é sempre uma construção. Me recordo de um poema de um poeta angolano, jovem Ondjaki, chamado precisamente “Construção”, e diz o seguinte: “construção da casa e do interior da casa. Construção de uma fogueira e do fogo e das chamas e das cinzas. Construção de uma pessoa, do embrulhão aos livros, construção do amor. Construção da sensibilidade, desde os poros até à música. Construção de uma ideia passando pelo que o outro disse. Construção do poema e do sentir o poema. Há qualquer coisa de ‘des’ na palavra construção. Desconstrução do preconceito, desconstrução da miséria, desconstrução do medo, desconstrução da rigidez, desconstrução do inchaço do ego. Desconstrução simples, como exercício. Desconstrução do poema por um renascer dele, construção – conclui – é uma palavra que causa suor ao ser pronunciada”. O itinerário de um educador, a sua missão é suada. Há um suor associado a um trabalho de construção e de desconstrução.

Nós, educadores, por exemplo, crescemos tanto em situação educativa, crescemos tanto na construção de comunidades educativas. O professor aprende tanto, cresce tanto com os seus alunos. Construção e desconstrução. Esta aprendizagem, este não ter medo da inovação, não ter medo do futuro. Nós, na educação, sentimos verdadeiramente que habitamos uma mudança epocal. Não ter medo da mudança, mas procurar as novas ferramentas que possam ser lugar de construção de encontro e de sabedoria. Mas isso é como viver um grande amor. Eu penso que nunca é demais recordar que a tarefa de um educador, de uma educadora, só se explica como uma história de amor. Porque aquele é feito de concentração, de dádiva, de imaginação, de desejo, de fecundidade. Isso, de que a semântica do amor nos fala, é qualquer coisa muito próxima do que se experimenta na tarefa educativa. Preparando esta minha breve saudação, veio ao meu ouvido a voz de Vinícius de Morais, explicando as condições necessárias para viver um grande amor. Eu fui ler e encontrei tantos aspectos naquela canção que nos podem ajudar a enxergar aquilo que é verdadeiramente, hoje, a tarefa a que somos chamados. Diz Vinícius de Morais: “para viver um grande amor, é preciso muita concentração e muito siso, muita seriedade”. A tarefa do educador não é uma tarefa dispersiva.

Temos de fazer convergir na atividade educativa tudo aquilo que somos, é um momento de grande concentração, como o acrobata em cima da corda. Ele tem de concentrar todos os músculos, todo pensamento, ser uma coisa só. Também o educador e contexto educativo têm de viver este feito de concentração. “Para viver um grande amor”, continua Vinícius, “primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser da sua dama por inteiro, seja lá como for”. Há uma dedicação, há uma entrega. Na vida de um educador, há uma inteireza. Já isso, Fernando Pessoa dizia pela boca de Ricardo Reis: “para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda /Brilha, porque alta vive”. Para ser grande, sê inteiro. Para viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe um grande amor sem aceitação das dificuldades que são próprias do real. Se como educador não temos a capacidade de abraçar o real, o imperfeito, o incompleto, o apenas esboçado, o que está no início, a crosta, a casca, o início difícil, até a desilusão, não nos tornamos verdadeiros conhecedores da liberdade do amor. A tarefa de um educador é feita de enamoramento, é feita do acreditar, é feita desta paixão educativa que nos faz perceber como educação é, verdadeiramente, o dispositivo de transformação, é uma sementeira de esperança que lançamos na pessoa humana. Mas tudo isso se faz de muito trabalho, empenho, cuidado permanente. Isso que Vínicius diz: “é preciso um cuidado permanente”. Então, para essa novidade no campo educativo de que aponta o Papa Francisco, precisamos de acertar todas essas condições, das quais falei utilizando a poesia de Ondjaki e de Vinícius de Morais, mas que cada um de nós, num discurso mais científico, também se reconhece.

O Papa Francisco diz: “temos de romper com o imaginário da educação, segundo o qual educar consiste em encher a cabeças de ideias”. Desta forma, nós educamos só autômatos, macrocéfalos, não pessoas. Às vezes, há um exagero na preocupação parcial, unilateral, por transmitir ideias e conteúdos como se o acto educativo se resumisse aí. O Papa Francisco tem uma visão muito mais integral. Ele diz que educar é correr riscos na tensão entre três coisas que, para ele, são  harmonia: cabeça, coração e as mãos. Tem de haver uma harmonia entre inteligência, o emocional e o lado prático, o lado vivencial, porque eu tenho de pensar e sentir e fazer, e sentir o que penso e faço e fazer o que sinto e penso. E isso é harmonia. Ora, o grande risco muitas vezes é que ficamos numa visão conceitual e valorizamos pouco a dimensão do emocional, da sensorialidade, e tornamo-nos analfabetos emocionais.

O estudante pode ser um estudante fantástico de Matemática, de Língua, de Geografia, mas ser um analfabeto emocional, porque não trabalhou as competências humanas e afetivas. O educador tem que se tornar um mestre, uma mestra da harmonia. E tem de querer, tem de sonhar um país onde todos cheguem a mestre, onde aqueles que nós educamos também se tornam mestres da sua própria humanidade. Há um texto de um escritor português, José de Almada Negreiros, que gostava de partilhar convosco e com ele termino a minha saudação: “sonhei com um país onde todos chegavam a mestres. Começava cada qual por fazer a caneta e o aparo com que se punha à escuta do universo; em seguida, fabricava desde a matéria prima, o papel onde ia assentando as confidências que recebia diretamente do universo; depois, descia até ao fundo dos rochedos por causa da tinta negra dos chocos; gravava letra por letra o tipo com que compunha as suas palavras; e arrancava da árvore a prensa onde apertava, com segurança, as descobertas para irem ter com os outros. Era assim que, neste país, todos chegavam a mestres. Era assim que os mestres iam escrevendo as frases que hão-de resgatar a humanidade.”

Como palavra final, conclusiva, tomo ainda de empréstimo as palavras do Papa Francisco aos educadores e as faço minhas com um grande abraço. O Santo Padre diz: “queridos educadores, não desanimeis diante das dificuldades apresentadas pelo desafio educativo. Educar não é uma profissão, mas uma atitude, um modo de ser. Sede testemunhas com a vossa vida daquilo que comunicais. O educador transmite conhecimentos e valores com as suas palavras, mas só será incisivo se acompanhar as palavras com o testemunho e a coerência de vida. Sem coerência não é possível educar. Sois todos educadores e não há delegações neste campo”.

Que Deus vos abençoe. 

Cardeal José Tolentino de Mendonça

Prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação

Imagem: Vatican News


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