O Governo Federal enviou à Comissão de Educação do Senado o Projeto de Lei (PL) nº 2.401, em 2019, com o intuito de regulamentar a nova modalidade de educação no país. A pauta voltou a ser discutida com os partidos aliados da Presidência da República e apoiada pela Associação Nacional de Educação Domiciliar.
Em 24 de março deste ano, três dias após o Governo divulgar que pretende aprovar o ensino domiciliar, ainda no primeiro semestre de 2021, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal anunciou que levará à votação o projeto de lei que altera o Código Penal para permitir o ensino domiciliar no Brasil. Caso isso ocorra, antecipa-se a pauta para o plenário, já que a Lei Penal enquadra em crime de abandono material os pais que não mandarem seus filhos à escola, direito fundamental previsto na Constituição. Esta ação está alicerçada no interesse do Governo Federal em priorizar pautas de costumes, promessa da campanha eleitoral que elegeu o presidente Jair Bolsonaro.
Este movimento, de maneira inconstitucional, está recebendo apoio de algumas cidades como Brasília (DF), Cascavel (PR) e Toledo (PR) que já aprovaram leis sobre o ensino domiciliar e agora estão na fase de regulamentação. Entretanto, já existem ações judiciais, de diversos organismos ligados à rede de proteção das infâncias e juventudes e sindicatos, que apontam a inconstitucionalidade das leis aprovadas e requerem que tais legislações sejam embargadas. No Distrito Federal, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) entrou como amicus curiae nos processos, por acreditar na importância da defesa por uma educação institucional de qualidade social. A Associação pretende entrar com ação contra as outras duas legislações aprovadas.
Somado a estes acontecimentos, tramita na cidade de Belo Horizonte (BH) um Projeto de Lei, em caráter de urgência, que aponta que a falta de conhecimento sobre a ensino domiciliar e a resistência ideológica, por parte da sociedade, não podem ser um empecilho para a legalização.
É com preocupação que a ANEC vem acompanhando todas essas situações, visto que este sistema (ou modalidade) enfrenta muitas fragilidades nos argumentos. Entendemos que este tema é muito complexo e não pode ser discutido de forma precipitada, sem discussões pedagógicas profundas sobre o assunto. Ressalta-se ainda a importância de debater-se a respeito da formação das pessoas que farão a formação dos alunos que poderão ser formados por meio do ensino domiciliar. As escolas têm foco na formação continuada dos profissionais da educação. Isso acontecerá dentro das famílias que poderão vir a praticar este ensino?
Estamos em um momento de profunda crise social, econômica, política e educacional no Brasil e no mundo; pessoas estão adoecendo física e mentalmente. A pandemia da Covid 19 afetou toda a sociedade nas diversas instâncias, trazendo marcas indeléveis, jamais antes vistas, na infância, adolescência e juventude. Sem falar nos abismos emocionais que as famílias têm enfrentado com as medidas restritivas.
Termos mais de 300 mil óbitos por causa da Covid-19. Nosso país enfrenta falta de leitos de UTI, de medicamentos para intubação e a vacinação caminha a passos lentos; esses dados não podem ser apenas um número. Nossas escolas, em grande parte do país, estão fechadas ou realizando as aulas apenas pelo ensino remoto; temos estados e municípios que estão há mais de um ano sem ter aulas presenciais. Diante deste cenário doloroso, não faltam pesquisas que mostram o aumento do número de agressões e violência sexual nos domicílios e, na contramão, houve a queda nos registros de boletins de ocorrência. Entre outros problemas, isso é uma clara demonstração da falta de preparação das famílias e da inadequação do ambiente familiar para substituição da escola na educação das crianças e adolescentes.
O contexto apresentado leva à reflexão: a prioridade em tempos de Pandemia é abrir as escolas, que são instituições que pertencem à rede de proteção de todas as infâncias e juventudes e é um serviço essencial, ou aprovar, sem uma criteriosa discussão, com toda a sociedade, a legalização do ensino domiciliar?
A legalização e a regulamentação do ensino domiciliar não devem ser uma pauta de imediatismo; precisamos de prioridades para a melhoria da educação brasileira, tendo como base a formação integral das nossas crianças, tais como: o cumprimento do Plano Nacional de Educação, instrumento primeiro de uma educação institucionalizada de qualidade social, a vacinação dos profissionais da educação, a reabertura das escolas e as medidas mitigadoras das perdas de aprendizagem e dos recursos das escolas de enfrentamento das sequelas trazidas pela Pandemia.
Ainda estamos aprendendo a entender como a tecnologia pode qualificar as aulas da educação básica. Não temos a regulamentação da modalidade do ensino híbrido. Estas são as pautas urgentes nos tempos em que vivemos. Colocaremos, mesmo, o ensino domiciliar como solução imediata para as famílias substituírem a escola e o ensino remoto, desconsiderando a importância da educação escolar e de seus profissionais?
Neste sentido, a ANEC manifesta-se contrária à aprovação do ensino domiciliar sem uma discussão apropriada, técnico-científica e que leve em consideração uma educação que promove a vida, a diversidade, a pluralidade de ideias e concepções, como previsto na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.
É mais do que comprovado, por meio de evidências científicas, o valor da socialização na formação de cidadãos. É na comunidade que nos formamos, nos confrontamos e crescemos como pessoas, ampliamos nossa visão de mundo, compreendemos as necessidades alheias e sentimos a necessidade de construir um mundo melhor para todos, com empatia e solidariedade.
Portanto, acreditamos na importância das instituições escolares como espaços de construção de conhecimentos, experiências e vivências significativas e complementares à educação familiar. Uma não substitui a outra, elas se complementam.
A escola é o local do coletivo, de oportunidades igualitárias para novas aprendizagens, da interação, onde desenvolvemos habilidades e competências sócio emocionais e cognitivas, requisitos essenciais para o sucesso pessoal e social dos indivíduos que formam, atuam e modificam as sociedades democráticas.
A importância da família não é aqui desprezada. A família não deve excluir a importância da escola e dos profissionais da educação, uma vez que também estes não a excluem. O processo educacional, de formação de um cidadão, é uma ação recíproca, simultânea e de cumplicidade entre a sociedade, a comunidade educativa e o Estado.
Em face de todo o exposto, a ANEC reitera sua convicção fundamentada em elementos históricos e razões pedagógicas no valor das Instituições de Educação Básica das redes públicas e privadas, na formação a partir da intrínseca relação família – escola – sociedade – estado. Ressalta que implantar o ensino domiciliar de forma abrupta e unilateral é ignorar as vozes que se erguem a favor das infâncias e das juventudes e de toda a trajetória da construção das legislações que envolvem a educação no Brasil e as metodologias que foram desenvolvidas por especialistas ao longo de anos de pesquisa e estudos.
Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC)
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