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Da emergência à busca pelo direito e à solidariedade imediata

04/05/2020
Por  ANEC Comunicação

Por André Ricardo de Souza

 

Em face da profunda crise do coronavírus algo apareceu com força no debate público enquanto medida a ser adotada: a política pública emergencial de transferência de renda às pessoas necessitadas.  Em 2003, o então senador do Partido dos Trabalhadores (PT) Eduardo Suplicy conseguiu aprovar no Congresso Nacional seu projeto da universal renda básica da cidadania, algo, porém, não posto em prática pelo Poder Executivo. Em seu lugar, o Governo Lula implementou o Programa Bolsa Família (PBF), que também se tornou lei no ano seguinte.

O tema resurgiu este ano como uma solução necessariamente imediata para dezenas de milhões de pessoas sem salário ou renda fixa, de modo a lhes permitir ficar em casa na condição de quarentena. Uma ampla mobilização reunindo 160 organizações da sociedade civil, lideradas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e contemplando mais de um milhão de assinaturas e milhares de e-mails de pressão, contribuiu bastante para o bom andamento da proposta no Congresso Nacional. Parlamentares de esquerda, sobretudo do Partido Socialismo e Liberdade e do PT se uniram convencendo os de outras legendas, de modo a conseguirem, entre a última semana de março e a primeira de abril, a aprovação de um auxílio desse tipo. Na Câmara dos Deputados, ficou estabelecido o pagamento, por três meses, de uma renda mensal de 600 reais a trabalhadores informais e de 1200 reais para mães responsáveis pelo sustento da família, algo que pode ser prorrogado por mais três meses, devendo o auxílio ser concedido aos que tiverem renda mensal per capita de até meio salário mínimo – SM (1045 reais) ou renda familiar de até três SMs (3.135 reais). Vale lembrar que a proposta inicial do Governo Bolsonaro era de apenas 200 reais por chefe de família. No Senado Federal, foi ampliado o alcance do benefício a diferentes categorias profissionais vulneráveis, devendo ser pago com cota dupla, no valor de 1.200 reais, a famílias monoparentais, independentemente do sexo.

A aprovação da renda emergencial superior ao PBF suscita o debate quanto aos recursos necessários para tal, algo relacionado à suspensão do pagamento da dívida pública enquanto durar a profunda crise econômica. Num segundo momento, o desafio será passar da renda emergencial para a universal e perene renda básica da cidadania, algo que possibilite a toda pessoa ter resguardada sua sobrevivência e de sua família enquanto um direito assegurado pelo Estado. Tal direito já é defendido, inclusive por economistas liberais em diversos países. A viabilidade disso passa pela criação de um fundo específico a ser alimentado também com recursos provenientes da taxação condizente de grandes lucros e fortunas. A universal renda básica da cidadania não constitui uma panaceia, mas sim uma forma efetiva de eliminação da pobreza extrema, com a grande vantagem de não sujeitar indivíduos ao trabalho aviltante, algo que contribui efetivamente para que os salários como um todo não sejam puxados para baixo.
A mobilização da sociedade civil em prol da aprovação da renda emergencial contou com a relevante participação de uma rede de indivíduos e entidades denominada Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC). Esta surgiu a partir do chamado inter-religioso do papa Francisco para jovens de até 35 anos, de diversos países,  para um encontro a  ocorrer em Assis (Itália), com ativistas e intelectuais em prol de outro paradigma socioeconômico para o mundo: o encontro da Economia de Francisco.  O  nome da ABEFC foi adotado por todo o valor moral também de Clara de Assis e pela compreensão de que feminino e masculino devem caminhar necessariamente lado a lado, sem primazia. Em sua carta de princípios é destacada a busca da passagem do egoísmo à generosidade; a humana dimensão da espiritualidade; a opção preferencial pelos pobres; a real democratização do acesso a dinheiro público; a individual renda básica da cidadania e a elevada taxação de grandes lucros e fortunas.

A ABEFC está fazendo uma campanha estimulando diversas comunidades religiosas a se unirem e  também se articularem com sindicados e outras entidades em prol do auxílio imediato aos mais atingidos pela crise, afinal: ‘quem tem forme, tem pressa’. Afirma que tal apoio pode se dar tanto em auxílio direto e também divulgação de iniciativas solidárias grandes – destacando o portal da internet www.todomundo.org, liderado pela Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo – quanto em termos de efetivação e estímulo a práticas comunitárias locais. Dentre estas são ressaltados: a) a ajuda entre vizinhos; b) a realização de compras no lugar de idosos; c) a manutenção, com o maior salário possível, de todos empregados afastados, inclusive as domésticas; d) a prioridade às compras no pequeno comércio local; e) a abertura de prédios religiosos para as pessoas receberem doações e higienização; f) a suspensão, se possível, ou então a oferta de descontos em aluguéis de residências por três meses; g) a doação de: alimentos, remédios, produtos de proteção, higiene e limpeza, roupas e cobertores lavados. Procura-se, com isso, ariticular a reivindicação de direitos cidadãos com a ajuda humanitária.

**André Ricardo de Souza é docente do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar.


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