No dia 4 de setembro o Senador Tasso Jereissati apresentou na CCJ do Senado a PEC paralela da reforma da previdência, que, entre outras providências, prevê a modificação da redação do Parágrafo 7º do Artigo 195 da Constituição Federal, que, na prática, propõe o fim da Filantropia na Educação. No dia seguinte, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Nacional de Educação Católica (ANEC) e a Conferência do Religiosos do Brasil (CRB), em conjunto, publicaram uma carta intitulada “PEC Paralela da Reforma da Previdência”, na qual, assim se manifestam nos primeiros parágrafos: “Com imensa preocupação, nos pronunciamos sobre a proposta de Projeto de Emenda à Constituição, de lavra do Senador Tasso Jereissati, conhecida como PEC Paralela da Previdência.
Como é de notório saber público, essa Emenda Constitucional tem por objeto a modificação do sistema da previdência social e o estabelecimento de regras de transição para os segurados, mas também toca diretamente a área educacional, comprometendo a filantropia no país. Diz a atual redação da norma que: ‘§ 7o São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei’. Pelo texto apresentado, a mesma regra ganharia as seguintes linhas: ‘§ 7o Não são devidas contribuições para a seguridade social por entidades beneficentes certificadas pela União que prestem, na forma da lei complementar, serviços nas áreas de assistência social e saúde sem exigência
de contraprestação do usuário’.
Em apertadíssima síntese, propõe o Senador que a oferta de bolsas de estudo a alunos carentes por organizações sem finalidade de lucro não mais seja considerada uma contrapartida para o gozo da prerrogativa tributária imunitória prevista pela Constituição.
Recentíssimas pesquisas, com destaque para a publicada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF), demonstram em claros números que a suposta renúncia fiscal decorrente do não recolhimento das contribuições para o financiamento da seguridade social por parte das instituições filantrópicas sequer se aproxima em volume financeiro do valor dos serviços que são prestados às camadas mais desamparadas da população.
A pesquisa ‘A Contrapartida do Setor Filantrópico para o Brasil’, divulgada pelo FONIF no começo de 2019, deixa claro o impacto das atividades da filantropia para o País. Dados do estudo, realizado com base em informações oficiais dos ministérios que regulam o setor, apontam que a cada R$1,00 investido pelo Estado no segmento filantrópico por meio das imunidades, a contrapartida real do setor é de R$7,39.
Na educação, essas instituições devolvem 4,67 vezes mais do que recebem e somam mais de 2,4 milhões de alunos, sendo 725 mil bolsistas no Ensino Básico e Superior que perderiam a oportunidade de ter acesso a uma boa formação não fosse o apoio da filantropia. Isso sem mencionar o aspecto qualitativo do ensino oferecido pelo setor, já que as instituições filantrópicas dessa área são reconhecidas pela oferta de uma educação de altíssima qualidade, conforme constatação de rigorosos rankings de avaliação, como ENEM, ENADE e CAPES.”
Para uma melhor compreensão da conclusão do FONIF (Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas), é importante explicitar mais alguns dados deste estudo, que se refere ao ano de 2016.
Na Educação Superior, as instituições filantrópicas tinham, naquele ano, 1,2 milhão de matrículas, equivalente a 12,1% das vagas ofertadas no país. Destes, 475 mil, igual a 39,5%, eram bolsistas. Dados da Receita Federal apontam que a imunidade da cota patronal do INSS, nesse segmento, foi de 2,65 bilhões de reais, igual a R$5.579,00 por bolsista. Sem o benefício da bolsa, caso estes alunos pudessem pagar por seus estudos, cada um teria desembolsado mais R$24.168,00 no ano, num montante de 11,48 bilhões de reais.
Considerado o valor intangível representado pelo desempenho 7,5% superior destes estudantes em comparação com os demais no ENADE, uma vez monetizado, elevaria o investimento em termos de imunidade tributária de 2,65 para 2,85 bilhões de reais, resultando num retorno total de 14,33 bilhões de reais. Deduzidos os 2,65 bilhões da imunidade, a geração de valor pelas instituições filantrópicas foi de 11,6 bilhões. Assim, para cada R$1,00 de imunidade tributária, as instituições filantrópicas geraram R$4,40 de retorno, resultando num retorno total de R$5,40 para cada 1 real investido pela sociedade nesse serviço.
Na Educação Básica, as instituições filantrópicas tinham, no mesmo ano, 1,2 milhão de matrículas, equivalente a 2,5% do total de alunos do país. Por falta de acesso à base de dados de bolsistas do MEC, o FONIF utilizou a Lei 12.101/2009, que prevê um bolsista 100% a cada 5 pagantes, para projetar a quantidade de 251 mil bolsistas, igual a 20,9% das matrículas nestas instituições (na prática, esse número deve ter sido maior, provavelmente acima de 300 mil, uma vez que na educação superior, estas mesmas instituições superaram em muito a exigência legal de 20%, chegando a quase o dobro, com 39,5% de alunos bolsistas).
Dados da Receita Federal apontam que a imunidade da cota patronal do INSS, nesse segmento, foi de 1,36 bilhão de reais, igual a R$5.418,00 por bolsista. Sem o benefício da bolsa, caso estes alunos pudessem pagar por seus estudos, cada um teria desembolsado mais R$11.155,00, num montante de 2,8 bilhões de reais.
Considerado o valor intangível, representado pelo desempenho 17,5% superior destes estudantes em comparação com os demais no ENEM, uma vez monetizado, elevaria o investimento em termos de imunidade tributária de 1,36 para 1,61 bilhões de reais, resultando num retorno total de 4,41 bilhões de reais. Deduzido 1,36 bilhão da imunidade, a geração de valor por parte das instituições filantrópicas foi de 3,05 bilhões. Assim, para cada R$1,00 de imunidade tributária, as instituições de ensino geraram R$2,23 reais de retorno, resultando num retorno total de R$3,23 para cada 1 real investido pela sociedade nesse serviço (considerando-se o número mais realista de 300 mil bolsistas, como previsto acima, a geração de valor deve ter atingido, pelo menos, R$3,00 para cada R$1,00 de imunidade, com um resultado final de R$4,00 para cada real investido pela sociedade).
Esses dados levaram à conclusão do FONIF de que a cada R$1,00 real de imunidade tributária, o setor filantrópico educacional gerou um retorno médio de R$4,67 reais, cujos beneficiários foram exclusivamente integrantes das camadas mais pobres e vulneráveis da população. Daí a “imensa preocupação” das lideranças da Igreja Católica, manifestada na Carta da CNBB, ANEC e CRB.
A PEC paralela propõe eliminar o mais eficiente, eficaz e socialmente justo programa de investimento em educação existente em nosso país há séculos, muito antes de o estado existir nestas terras. Um retorno igual a 5 vezes o valor investido, em um único ano, é o sonho irrealizável de qualquer investidor. Raríssimas oportunidades no mercado atingem um retorno de 0,3 ou 0,4, ficando a média, em economias saudáveis em 0,15. Estamos falando de um retorno 33 vezes maior. Estes dados permitem concluir que a ‘galinha dos ovos de ouro’, capaz de solucionar os problemas da educação no Brasil, está no crescente aporte de recursos nessa via e não o contrário, como proposto na PEC. O mais provável é que o Senador ignore os dados, assumindo uma visão do senso comum, que enxerga as instituições filantrópicas como as beneficiárias da imunidade fiscal, engordando, com suposto dinheiro público, seu privilegiado caixa, abastecido pela elite econômica do país, que pode pagar suas mensalidades. Infelizmente, nas últimas décadas, a ideia da “vilania” das instituições educacionais filantrópicas foi espalhada ardilosamente em nossa sociedade por diversos agentes sociais, como parte do discurso estatista e antirreligioso.
As 750 mil bolsas de estudo são destinadas a alunos oriundos de famílias que recebem, na imensa maioria, até 1,5 salários mínimos de renda per capita, conforme determina a Lei 12.101/2009. Uma vez aprovada a PEC, os 475 mil bolsistas da Educação Superior, terão que abandonar a Universidade, gerando a maior crise universitária jamais vista em nosso país. Além de toda a frustração pessoal, com consequências emocionais devastadoras, o país deixará de formar cerca de 100 mil profissionais de alto nível por ano, um verdadeiro tiro no pé, para uma economia que precisa desesperadamente qualificar sua mão de obra para fazer frente ao nosso histórico atraso econômico, resultado de nossa baixa produtividade e baixa capacidade de inovação, num cenário global cada vez mais competitivo e complexo. Os 300 mil bolsistas da Educação Básica terão que migrar para os sistemas públicos estadual e municipal. Sem o repasse de recursos adicionais do FUNDEB para construir e manter escolas para estes alunos, o que certamente será uma realidade, até para não queimar, por esta via, os 4 bilhões adicionais a serem arrecadados na esfera federal, os alunos serão distribuídos nas escolas e turmas já existentes, sobrecarregando prédios e quadros de pessoal, com impactos sensíveis na qualidade de ensino nestas instituições, resultando num verdadeiro desastre para o desenvolvimento desses alunos.
Em suma, Jereissati propõe ao país que opte, por meio dos Congressistas, por um novo aumento de impostos, projetado em 4,5 bilhões de reais em 2018, equivalente a 0,63% dos gastos com aposentadorias e pensões, ao custo certo e líquido de retirar a oportunidade de 475 mil universitários estudarem, abortando sua busca por um futuro melhor para si próprios e sobretudo para o país, com 100 mil formados a menos a cada ano, para sempre; obrigue estados e municípios a absorverem 300 mil bolsistas, que hoje tem acesso à educação de alto nível nas escolas filantrópicas, sobrecarregando seus sistemas de ensino e comprometendo sua qualidade, de forma permanente; elimine um modelo de investimento com um retorno inacreditável de 500% ao ano, posto em prática pelas instituições filantrópicas. Nada contra o direito dos que trabalharam a vida inteira, de receberem sua justa aposentadoria na fase da vida em que mais necessitarão destes recursos, especialmente os mais vulneráveis. Mas não podemos admitir, a esse título – sobretudo diante de uma reforma previdenciária ainda leniente diante de privilégios de minorias – a destruição do futuro de milhares de crianças e jovens socialmente vulnerávies no início de suas vidas e o comprometimento do futuro do país, alavancado por um investimento com retorno tão espetacular como as bolsas de estudo filantrópicas. O necessário equilíbrio fiscal, que permita a retomada de nosso desenvolvimento, não pode mais passar pelo aumento de impostos, mas deve ser buscado com reformas e boa gestão do aparelho do estado, com a superação das ineficiências, privilégios, interesses não republicanos e a conhecida malversação de recursos públicos. Nessa direção, as instituições filantrópicas representam um exemplo a ser seguido e ampliado, e não a ser destruído!
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Fonte: Lorenço Jungklaus – Pedagogo, Filósofo e Economista, Diretor Pedagógico do Colégio Notre Dame de Campinas e Conselheiro Estadual ANEC-SP
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