Introdução
O tema da Campanha da Fraternidade 2020 já ficou definido no dia 21 de agosto de 2018 pelos bispos do Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): Fraternidade e vida – dom e compromisso. E, por sua vez, o lema escolhido foi: Viu, sentiu compaixão e cuidou dele (Lc 10,33-34). Tema e lema estes que realçam três preocupações fundamentais:
1ª) conscientizar e desinstalar os seres humanos a compreender o sentido da vida como dom e compromisso, seja em âmbito pessoal, educacional, comunitário (eclesial) e social.
2ª) educar para a importância do cuidado da vida no conjunto de suas manifestações, de modo especial ao que diz respeito a um posicionamento crítico ante à mercantilização da vida (tráfico humano) e à legalização do aborto.
3ª) empreender a um trabalho educacional preventivo e conscientizador em relação aos acidentes de trânsito e acidentes no trabalho.
A Campanha da Fraternidade promovida pela CNBB tem três objetivos permanentes:
1º) despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo, em particular, os cristãos na busca do bem comum;
2º) educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência central do Evangelho;
3º) Renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e solidária.
A vida não é mera mercadoria. A vida é dom e compromisso. O ‘livro’ da vida se constitui num conjunto de elementos e aspectos interligados intimamente um ao outro:
O que é isto que se denomina vida ou a vida?
Vida não se reduz apenas a experiências ou a posses, mas um conjunto de aspirações, discernimentos, horizontes de sentido, escolhas e devotamentos. Vida é a condição de possibilidade comum a todos seres vivos. A vida é essencialmente dom e compromisso.
[…] “por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação. Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades.”.
Mudanças, em outras palavras, de um estilo de vida condicionado pelo sistema capitalista que historicamente passou a ‘justificar’ porque determinadas pessoas aspiram tanto delinear sua identidade social não no que de fato são, mas no quanto podem consumir e exibir. Estilo de vida esse em que tantos inescrupulosamente desdenham de levar uma vida decente, de empenhar-se na realização de um bom propósito, de ajudar os pobres, de apoiar causas humanitárias, de servir os enfermos, de defender o valor inalienável da vida, de cuidar da casa comum, entre outros ‘deveres’ honrosos.
No Livro do Eclesiastes (3,15) consta que “Deus aspira por aquilo que foge […]”, ou seja, ao ser humano que almeja vislumbrar um sentido para a sua vida, necessita ele refletir sobre o tempo presente que está sempre como que a lhe escapar das mãos. Necessita decidir-se pelo bom uso do livre-arbítrio e do cultivo de tudo aquilo que, em si, pode irradiar beleza, encantamento, afeição, docilidade, sabedoria, alegria, fraternidade e não ódio, cobiça, apostasia, crueldade e obscuridade da alma.
Vale lembrar, enfim, que a CNBB não pretende apenas discutir aspectos críticos sobre o tema da CF-2020. Pretende também apontar elementos positivos da vida, tais como a relação da integralidade da vida com a Casa Comum, a harmonia entre o trabalho e o lazer, a dignidade da pessoa, os sinais louváveis de cuidado com a vida no Brasil e no mundo, além da relação ajuizada com o trânsito, onde há acidentes que ceifam a vida de milhares de pessoas a cada ano.
Para o Cristianismo Católico, a vida é um dom sagrado que cada ser vivo recebe de Deus. É com base nesta concepção sobre a vida que se desdobra toda uma percepção a respeito da importância do cuidado da vida. É nesse sentido que o tema da Campanha da Fraternidade de 2020 se apresenta como um desafio humanitário, educacional e pastoral.
1 Vale lembrar: a cada ano, os bispos membros do Conselho Episcopal Pastoral da CNBB, acolhendo as sugestões vindas dos regionais da CNBB, das organizações eclesiais, escolhem um tema e um lema para chamar a atenção sobre alguma situação que, na sociedade, precisa de cuidados para o bem de todos. Em âmbito nacional, a primeira Campanha da Fraternidade ocorreu em 1964, em pleno desenvolvimento do Concílio Vaticano II e aos cuidados da CNBB. A Campanha da Fraternidade é, antes de tudo, uma expressão de comunhão, conversão e partilha entre Igreja e Sociedade.
2 Disponível em: <https://portalkairos.org/campanha-da-fraternidade-2020/>. Acesso em 10/02/2020.
3 “Felizes os que obedecem ao Senhor e andam nos seus caminhos! Comerás do fruto do teu próprio trabalho: assim serás feliz e viverás contente. A tua esposa será como videira fecunda na intimidade do teu lar; os teus filhos serão como rebentos de oliveira ao redor da tua mesa. Assim vai ser abençoado o homem que obedece ao Senhor. O Senhor te abençoe do monte Sião! Possas contemplar a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida e chegues a ver os filhos dos teus filhos. Paz a Israel!” (Salmo 128, 1-6).
4 “É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa.” (PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica ‘Laudato si’ do santo padre Francisco: sobre o cuidado da casa comum– n. 25. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclicalaudato-si_po.pdf>. Acesso em: 10/02/2020).
5 “No horizonte do amor, essencial na experiência cristã do matrimónio e da família, destaca-se ainda outra virtude, um pouco ignorada nestes tempos de relações frenéticas e superficiais: a ternura. […] Como indica a palavra hebraica gamùl, trata-se dum menino que acaba de mamar e se agarra conscientemente à mãe que o leva ao colo. É, pois, uma intimidade consciente, e não meramente biológica.” (PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Lætitia do Santo Padre Francisco aos Bispos, aos Presbíteros e aos Diáconos, às pessoas consagradas, aos esposos cristãos e a todos os fiéis leigos sobre o amor na família – n. 28. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20160319_amoris-laetitia.html>. Acesso em: 10/02/2020).
6 PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica ‘Laudato si’ do santo padre Francisco: sobre o cuidado da casa comum – n. 16. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclicalaudato-si_po.pdf>. Acesso em: 10/02/2020.
7 Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/bispos-discutem-a-estrutura-do-texto-base-da-campanha-da-fraternidade-2020/>. Acesso em: 10/02/2020.
8 “[…] passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha, numa ascese que «significa aprender a dar, e não simplesmente renunciar. É um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa. É libertação do medo, da avidez, da dependência. […] É nossa humilde convicção que o divino e o humano se encontram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus, mesmo no último grão de poeira do nosso planeta” (PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica ‘Laudato si’ do santo padre Francisco: sobre o cuidado da casa comum– n. 9. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclicalaudato-si_po.pdf>. Acesso em: 10/02/2020).
9 PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica ‘Laudato si’ do santo padre Francisco: sobre o cuidado da casa comum – n. 5. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclicalaudato-si_po.pdf>. Acesso em: 10/02/2020.
10 Há várias outras citações da Sagrada Escritura alinhadas ao tema da CF 2020 que merecem aqui serem consideradas: Gênesis 1,2-15; 2,1-25: A Criação do mundo e do ser humano; Jó 42, 3: A Criação está repleta de maravilhas que ultrapassa o conhecimento do ser humano; Daniel 3, 57: A simples existência de cada ser é sinal da grandeza divina e motivo suficiente para louvar a Deus; Salmo 8: Contemplar a grandeza e a bondade do Criador nas criaturas, obras de suas Divinas Mãos; Salmo 23: Ao Criador pertence a terra e o que ela encerra; Jó 5, 25; Salmo 36,37; Gênesis 33,22: Somente Deus concede vida e posteridade; João 15,13: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida por seus amigos; Salmo 36,10: No Criador está a fonte da vida e na sua divina luz todos hão de ver a luz; Ezequiel 18,23; Jeremias 21,8; Mateus 7,13-14: Ante os mandamentos de Deus, a sabedoria do ser humano consiste em escolher o caminho de vida; Eclesiastes 11,5: Deus é o autor supremo da vida; Mateus 22,37-39: Amarás o teu próximo como a ti mesmo; Apocalipse 21,04: Toda humanidade e a Criação são chamados à participar do mesmo caminho de amor e ressureição do Filho de Deus, Jesus Cristo; 1 Coríntios 4,10: Trazemos em nós o sinal da vida; Atos dos Apóstolos: Dimensão social do cuidado com os mais frágeis; 1 Coríntios: Hino à caridade; 1 Pedro: A atenção que se deve ter com os mais frágeis que estão próximos.
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