A melhoria da qualidade da educação básica no Brasil depende, em grande medida, dos cuidados e do apoio que serão dados daqui para a frente aos professores, que têm atualmente dois grandes desafios.
O primeiro está vinculado à implementação dos novos currículos flexíveis, a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), focada em competências e habilidades. Como se posicionar na nova escola, na qual a atenção aos estudantes se torna cada vez mais personalizada e as aulas expositivas padronizadas vêm sendo substituídas por metodologias ativas e formas de aprendizagem colaborativas?
O segundo desafio é a adaptação às mudanças impostas pela covid-19, que vão desde a não realização dos níveis esperados de aprendizagem dos estudantes – sobretudo os mais vulneráveis – até a reconstrução de vínculos e desenvolvimento socioemocional. Além disso, a necessidade de abordagens pedagógicas específicas dedicadas aos efeitos derivados do longo período de suspensão das aulas que permaneçam nas redes de ensino por alguns anos.
Esses desafios exigem autodesenvolvimento, formações continuadas e trabalho colaborativo entre os docentes. Para estimular isso, é preciso que haja uma profunda reestruturação das carreiras do magistério. Visando a criar um apoio conceitual inovador para novas carreiras, estabeleceu-se uma parceria histórica entre os conselhos dos secretários estaduais de Educação e de Administração (Consed e Consad), que teve apoio do Movimento Profissão Docente, do Instituto Unibanco e da Fundação Lemann.
Essa parceria permitiu a elaboração do documento Temas Estratégicos para as Carreiras do Magistério, com coordenação técnica das especialistas Cibele Franzese (FGV/EAESP) e Renata Vilhena (Fundação Dom Cabral) e participação de técnicos das Secretarias de Educação e de Administração de 13 Estados brasileiros.
A visão de carreiras do magistério que emergiu deste esforço, combinando o conhecimento científico com a experiência dos técnicos das secretarias estaduais, foi orientada por três objetivos fundamentais: valorização, desenvolvimento humano e profissional e sustentabilidade fiscal. Entende-se que as carreiras contemporâneas devam ser estruturadas para, de forma simultânea, reconhecer o trabalho dos professores, estimular seu desenvolvimento humano e profissional e garantir equilíbrio financeiro das redes. O documento final elenca 32 temas estratégicos, dos quais destacamos alguns.
Para começar, as carreiras devem ter como ponto de partida a elaboração e definição clara do que se espera do trabalho dos professores, com uma matriz de competências e atribuições, ou seja, os chamados referenciais de atuação docente.
Em segundo lugar, é preciso que a remuneração dos professores tenha níveis, sobretudo os iniciais, equiparados à média da remuneração de outros profissionais com a mesma escolaridade, como estabelece a meta 17 do Plano Nacional de Educação. Em 2020, os docentes ganhavam apenas 78,5% da média salarial de outros profissionais, segundo o IBGE/PnadC. Outro ponto relevante é que a remuneração, ao longo do tempo, apresente uma perspectiva de evolução atrativa e transparente.
Além da remuneração competitiva e atrativa, as carreiras devem também adotar mecanismos de reconhecimento profissional não monetários, que valorizem os esforços e a criatividade dos professores, tais como prêmios pelo desenvolvimento de projetos e novas metodologias pedagógicas.
As carreiras no Brasil, a exemplo do que vem ocorrendo em vários países, precisam superar a evolução funcional baseada unicamente em tempo de serviço e adotar o sistema D&D, ou seja, de evolução funcional por desempenho e desenvolvimento de competências, que precisam ser monitoradas e estimuladas por meio da adoção de ferramentas de apoio aos professores, adaptadas às diferentes realidades de cada rede. É possível, por exemplo, criar diferentes trilhas de formação alinhadas às matrizes de competências locais.
A fim de garantir a sustentabilidade de políticas de profissionalização e valorização, as redes também devem realizar de forma sistemática um planejamento de curto, médio e longo prazos do quadro de profissionais. Conjuntamente, devem acompanhar seus indicadores de receitas e despesas, garantindo uso de evidências e respeitando limitações fiscais.
Por fim, as carreiras devem prever a estruturação de um sistema que promova a saúde mental e física dos professores, como forma de superar problemas já existentes, mas que foram exacerbados pela pandemia. Isso é essencial para um bom desempenho profissional e para que eles possam dar a necessária atenção às crianças e aos jovens.
Só com professores valorizados, reconhecidos e profissionalizados o Brasil conseguirá melhorar os indicadores de qualidade e equidade da educação, a partir do desenvolvimento pleno e integral de todos os estudantes.
*Haroldo Rocha e Ricardo Henriques
RESPECTIVAMENTE, COORDENADOR GERAL DO MOVIMENTO PROFISSÃO DOCENTE; E ECONOMISTA E SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DO INSTITUTO UNIBANCO
Fonte: Estadão
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