Ocorreu, em 1º de dezembro, a audiência pública da Comissão de Educação (CE) do Senado Federal para debater o Projeto de Lei 1338/2022, que regulamenta a oferta domiciliar da Educação Básica. O encontro on-line contou com a participação de Roberta Guedes, gerente da Câmara de Educação Básica da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC); Priscila Cruz, presidente do Movimento Todos pela Educação; Claudio Augusto da Silva, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda); Patrícia Baroni, representando a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped); Gilson Reis, representando a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Contee); Ângela Gandra, presidente do Instituto Ives Gandra; Diego do Nascimento, presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina e com a moderação do presidente da Comissão, senador Flávio Arns (PSB-PR).
A audiência pública, que atende a uma série de requerimentos de membros da CE, foi a primeira do novo ciclo de discussões sobre o projeto de lei, que já foi alvo de debates na comissão em 2022. O presidente da Comissão, senador Flávio Arns (PSB-PR), salientou a importância do tema ser incluído no debate público. “Tudo que é importante para a educação brasileira está sendo discutido pela Comissão de Educação (CE) do Senado Federal, como por exemplo: o Sistema Nacional de Educação, valorização docente, segurança escolar, Novo Ensino Médio, dentre outros”, lembra. “Com relação ao homeschooling, enquanto relator do PL, eu visitei casas de pessoas que ofereciam educação domiciliar, falei com crianças, jovens, pais e famílias, fiz reuniões de vídeo com todos os convidados e especialistas que eram apontados. É um assunto importante, e é por isso que o estamos debatendo”, explicita.
Prof. Roberta destacou que o Brasil é um país marcado por intensas desigualdades e desafios educacionais. “A educação precisa ser para todos e vencer as mazelas da exclusão. Para isso, ela precisa ser dialógica, levando seu propósito de ensinar a fraternidade e educar para a paz”, acredita. “Como defende o Papa Francisco, hoje, é necessário unir esforços para alcançar uma aliança educacional ampla a fim de formar pessoas maduras, capazes de reconstruir o tecido relacional e criar uma humanidade mais fraterna”, aponta.
Com isso em mente, questiona Roberta: o que justificaria tirar uma criança da escola? “Conviver é muito mais do que ter uma matrícula. A conveniência fortalece a tolerância, o respeito mútuo e capacidade de lidar com as diferenças, habilidades fundamentais para a vida em sociedade. E a avaliação é muito mais do que provas. É necessário um acompanhamento de perto para garantirmos a formação completa e o desenvolvimento de seres humanos”, reflete. “A escola compõe o sistema de proteção das infâncias e adolescências e nós precisamos nos unir para garantir que ela continue ocupando este espaço”, argumenta.
Proteção
A prof. Priscila chamou atenção para os elevados índices de violência doméstica da qual as crianças são vítimas. “Eu tenho percorrido escolas e secretarias de educação espalhadas pelo Brasil e, principalmente no contexto de pós-pandemia, a violência domiciliar tem se apresentado veementemente e quem tem conhecido acolher essas crianças e ouví-las é a escola. Na possibilidade ampliada de estudar em casa, elas estarão inviabilizadas, estarão fora do radar do campo de visão do equipamento público. A escola é um lugar de proteção”, alerta. “Somente determinadas situações específicas, extremamente restritivas, justificariam que o estudante não frequentasse a escola e fosse aluno no homeschooling”, acredita.
Convivência
O presidente do Conanda lembra que sinais de possíveis casos de violência costumam ser demonstrados justamente no espaço escolar. “Se estivermos com essas crianças nesse ambiente onde não há outras interferências, estamos optando deliberadamente a expor crianças a um risco alto”, defende. Além disso, o especialista pontua que o convívio entre crianças e adolescentes, garantido nas instituições de ensino, é necessário para a formação humana. “Os jovens têm direito de expandir sua identidade na sociedade por meio da convivência com o outro. É na escola em que primeiro e por mais tempo em nossas vidas, nos encontramos com o mundo, conhecer o outro e a mim mesmo, bem como viver diferenças e situações que não vimos nas relações familiares”, diz.
Na mesma linha, argumenta Gilson, Aristóteles dizia que o homem é um ser social, pois é da sua natureza viver em sociedade, e, ao buscar a felicidade só encontraria na convivência humana. “A escola foi um grande passo nessa socialização na história da humanidade”, diz. Assim como Piaget, que também defendeu que a interação com outras crianças é essencial, determinante para o desenvolvimento da infância. “Retirar a criança dessa convivência e relação com seus pares que constrói a sua própria identidade é, na verdade, retirar dela a possibilidade de se alcançar o seu ser total e integral”, acrescenta. Além disso, para ele, a discussão sobre a escola domiciliar é elitista num país em que milhares de crianças estão fora da escola. “O que deveríamos estar discutindo, em uma perspectiva de futuro, era a Escola de Tempo Integral, pois precisamos entregar a nossa infância e juventude instituições capazes de absorvê-los, acolhê-los e protegê-los, enquanto pais e/ou responsáveis trabalham para garantir o sustento das famílias”, reforça.
Docência
Para Patrícia, a possibilidade de homeschooling desqualifica o ofício docente. “Há uma certa apreensão no que tange aos professores que estão sendo formados nas universidades. Já convivemos com um frágil cenário de empregabilidade neste setor e ao definir o ofício docente como passível de exercício por qualquer pessoa com ensino superior – tal como prevê o PL 1338/2022, a situação torna-se ainda mais desfavorável”, avalia. Com relação aos alunos, Baroni comenta que a educação domiciliar aprofunda desigualdades, rompe com a política de educação inclusiva, aumenta a insegurança nutricional, oculta violência doméstica, estimula a evasão, fragiliza a democracia e a cidadania, bem como onera os cofres públicos para uma baixa capacidade de atendimento de demanda.
Manifestações favoráveis
Ângela defende que a educação, a partir da família, é um direito humano, que não é proibido pela Constituição Federal e destacou demais normas nacionais e internacionais que envolvem o campo da educação do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos. Do mesmo modo, Acórdão do Supremo Tribunal Federal que ditou que a Constituição Federal não veda de forma absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes”, apresenta. “Se juridicamente e com a forma da lei, essa educação está autorizada, e, assim, é preciso considerar nos valores fundamentais da nossa Carta Magna que deu a liberdade para os pais decidirem”, diz.
Conforme aponta Diogo, a Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina, a educação domiciliar está em total acordo com o princípio do melhor interesse da criança. “Eu sou um pai educador e convivo com famílias educadoras há mais de 10 anos. Com isso, afirmo que o homeschooling já é uma realidade no Brasil, uma realidade imparável. Observamos cada vez mais forte o chamado para que assumamos o protagonismo no ensino dos nossos filhos. A família tem a primazia na educação dos seus filhos, como um direito inviolável. Mais que um direito, é um dever dos pais preocupar-se com a educação de suas crianças”, defende. “Nossas crianças são o tesouro da nossa pátria. Elas precisam de proteção, cuidado, e educação de qualidade, com dignidade e com liberdade. Não há educação e dignidade sem liberdade”, acrescenta.
Para assistir à audiência completa, acesse aqui.
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