Durante a conferência de abertura do VII Congresso Nacional de Educação Católica, promovido pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil, Dom Francisco Agamenilton Damascena, bispo diocesano de Rubiataba-Mozarlândia e bispo eleito de Luziânia, conduziu uma reflexão sobre o papel da educação católica na sociedade brasileira atual.
Diante de uma plateia formada por educadores, gestores e representantes de diversas regiões do país, ele retomou os fundamentos constitucionais do Brasil e os articulou com a missão evangelizadora da Igreja no campo da educação. A sua fala na abertura do evento se destacou por seu caráter formativo e por lançar luz sobre os desafios e compromissos das escolas e universidades católicas diante das transformações do mundo contemporâneo.
A conferência teve como eixo central a relação entre a educação católica e os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988. Partindo da Doutrina Social da Igreja, Dom Agamenilton sublinhou como a escola católica, ao educar, também evangeliza — e, ao evangelizar, transforma a sociedade.
A presença da fé cristã no ambiente escolar, segundo ele, não se opõe à laicidade do Estado, mas oferece um testemunho concreto da dignidade humana, da liberdade e da justiça, contribuindo ativamente para o bem comum. Com linguagem acessível, exemplos concretos e perguntas incisivas, o conferencista instigou os participantes a pensar como os valores cristãos são efetivamente vividos nas instituições educacionais.
Natureza e missão da educação católica
Na sequência, Dom Agamenilton abordou a natureza e a missão da educação católica, destacando que “a escola católica é parte integrante da missão da Igreja, inspirada no mandamento de Cristo: ‘Ide e ensinai’”. Nessa missão, ela “forma pessoas à luz da fé, promovendo a cultura, a razão e a espiritualidade”. Assim, ela evangeliza ao mesmo tempo que educa, oferecendo um serviço à pessoa humana ao estilo de Jesus: com amor, verdade e serviço.
A partir disso, deduz-se o compromisso dos centros de ensino católicos com os direitos fundamentais. A educação católica “assume para si os valores da Constituição e da Doutrina Social da Igreja: a dignidade da pessoa, o bem comum, a solidariedade, a justiça, a liberdade e o combate à pobreza”. Dessa maneira, escolas e universidades católicas transformam esses valores em projetos pedagógicos para formar cidadãos conscientes e comprometidos, ajudando a construir uma sociedade justa, solidária e fraterna.
Desafios para a escola católica
Dom Agamenilton afirmou que a escola católica é “lugar de aprendizagem para enfrentar os desafios e solucioná-los à luz do Evangelho”. É o desafio de colocar em prática, no cotidiano da escola, o evangelho e suas consequências. “Desta maneira, a escola católica prepara a pessoa para realizar o bem da cidade.”
Ele propôs a reflexão sobre três grandes desafios: a dignidade humana, a liberdade e a justiça, todos profundamente ligados à missão da Igreja e à Doutrina Social, além de estarem consagrados na Constituição Federal. E lançou a seguinte provocação: “Os professores conhecem a Doutrina Social da Igreja? Que formação é oferecida a eles sobre o magistério social católico? Os professores conhecem, recebem formação, aceitam a sabedoria eclesial e a ensinam aos alunos? Utilizam da Doutrina Social da Igreja como critério de decisão para os problemas da escola e da universidade?”.
Segundo Dom Agamenilton, em um contexto escolar marcado por desigualdades e tensões culturais, o reconhecimento da dignidade humana é caminho de promoção da vida humana e sentido último do agir pedagógico. Ele alertou: “sem esse reconhecimento, podemos nos tornar desalmados cumpridores de leis, peças inconscientes de um sistema”.
Em sua fala, o palestrante trouxe uma vivência quanto à questão da inclusão. “Fui convidado para falar sobre as pessoas com deficiência e educação. O debate era em torno da nova legislação goiana. Perguntei aos professores por que eles eram obrigados a acolher na escola as pessoas com deficiência; por que o Estado ditava aquela lei e qual era o sentido dela. As respostas giraram em torno da lei: porque há uma lei que me obriga a fazer isso. Nenhum professor disse que era por causa da dignidade humana”, exemplificou.
Com base nesse relato, ele reforçou que temos, no ordenamento da escola católica, a dignidade humana como valor fundamental, assim como na Constituição Brasileira. E questionou: “Que caminho percorrer para que discentes e docentes reconheçam essa dignidade?”. Para ele, a resposta é também um caminho para a superação do racismo, intimidação sistemática, discriminação de toda espécie e promoção da vida desde a sua concepção até a sua morte natural.
Por fim, ele trouxe um sinal de esperança por meio de outro depoimento. “Lembro-me de um engenheiro elétrico ter elaborado um projeto de iluminação para um abrigo de idosos em vista da redução de custo da conta de energia. Perguntado por que ele tinha feito aquilo, ele respondeu: a dignidade humana foi minha motivação”, citou.
Neste segundo tópico, Dom Agamenilton destacou que a escola, assim como o mundo, “é um lugar de conflito de liberdades”. Todos desejam algo, mas nem sempre conseguem o que querem. A questão central é: o que é liberdade?
Ele explicou que existem diversas concepções. “Se sou um relativista, eu direi que sou livre para fazer o que eu mesmo decidi como verdadeiro ou bom, sem me referir a nenhuma verdade objetiva. Eu sou a medida da liberdade.” Já sob uma visão materialista, a liberdade seria apenas o resultado de condicionamentos biológicos e sociais.
Mas, segundo a visão cristã, a liberdade é sinal da imagem divina em cada um de nós e de nossa dignidade. É a capacidade de dispor de si em vista do autêntico bem, no horizonte do bem comum universal’ (DSI, n. 200). Neste contexto, ele pergunta: “Qual é o autêntico bem? Quem o define? A verdade sobre o bem é o ser, o real e não as minhas ideias”. Ao responder seu próprio questionamento, relembrou as palavras do Papa Francisco: “a realidade é superior à ideia” (EG, n. 231).
Para ele, a verdade é uma pessoa: Jesus Cristo. “Ele é a luz da liberdade. A liberdade movida por Jesus Cristo liberta a própria liberdade”, explica. E completou com a citação de Santo Agostinho: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!” (Confissões, Livro X, 27).
Durante o tópico, trouxe mais perguntas à reflexão: “Que liberdade é apresentada nas instituições católicas de ensino? Que lugar a verdade ocupa no exercício da liberdade? Como é exercida a liberdade? A liberdade cristã é um bem para o Brasil?”.
Também foi abordado o desafio de conectar as liberdades pessoais a um projeto comum. Conforme explica, é “fatigoso” conduzir os alunos de modo que as liberdades deles se conectem a ponto de garantir a escola como um lugar de humanização e santificação. Sendo assim, as liberdades devem ser orientadas para o bem comum, pois, como ensina a Doutrina Social da Igreja, “somente há liberdade ‘quando laços recíprocos, regidos pela verdade e pela justiça, unem as pessoas’” (DSI, n. 199).
Em sua fala, Dom Agamenilton alertou contra o individualismo contemporâneo. “As pessoas têm se tornado tão individualistas que falar de projeto comum é quase pronunciar uma palavra indecifrável”, afirma. “De fato, há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais — sinto-me tentado a dizer individualistas —, que esconde uma concepção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico, quase como uma ‘mônada’ (μονάς) cada vez mais insensível às outras ‘mônadas’ ao seu redor”, explicou, citando o Papa Francisco.
O terceiro desafio apresentado por Dom Agamenilton foi a prática da justiça nas instituições católicas de ensino. Ele questionou como anda a prática da justiça em nossas escolas, os exemplos oferecidos aos alunos, a resolução dos problemas da escola e da universidade, entre outras situações. “No Brasil ‘vale tudo’ para ser bem-sucedido ou se enriquecer? Como os alunos compreendem o fenômeno da cola e do plágio?”, provoca.
“Justiça é uma virtude e, portanto, é a ‘vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido’ (DSI, n. 201)”, destaca. No pensamento católico, a justiça social ganha destaque, de maneira que as escolas católicas, segundo ele, são chamadas a ir além da legislação.
“As escolas católicas, movidas pela Doutrina Social da Igreja, são comprometidas com a Constituição Brasileira e vão além de suas determinações, sem contradizê-las. Faz parte do ensinamento católico, a compreensão de que a justiça sozinha não basta; ela precisa caminhar junto com a caridade e a solidariedade (cf. DSI, n. 203). Por isso, formamos as pessoas com duas asas: justiça e caridade”, explica.
Fortalecendo o compromisso com o Brasil
No encerramento da conferência, o bispo reforça o compromisso da educação católica com o Brasil. Ele destacou dois documentos essenciais para essa missão: o Pacto Educativo Global, lançado pelo Papa Francisco em 2019, e a encíclica Fratelli Tutti.
O Pacto Educativo Global oferece elementos como a centralidade da pessoa, abertura ao diálogo, promoção da justiça e cuidado para com o próximo e a Casa Comum. Já a encíclica Fratelli Tutti, com seus elementos e conceitos-chave, traduzidos pedagogicamente, são sabedoria para resolver problemas hodiernos e sementes de civilização do amor.
“As escolas e universidades católicas unindo fé e razão, promovendo o primeiro anúncio e se abrindo as suas consequências, se tornam ‘laboratórios do bem comum’ onde não apenas se descobre a verdade, o bem e o belo, mas também onde eles já são vivenciados de modo pascal, isto é, constantemente passando do sacrifício de si mesmo para a alegria da vida mais fraterna, mais parecida com a comunidade de amor do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”
Dom Agamenilton concluiu, reafirmando que a educação católica, enraizada na fé e no Evangelho, se mantém “comprometida com a Constituição e com a dignidade da pessoa humana, as escolas e universidades católicas continuam sendo espaços de transformação social e de esperança”.
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