A Associação Nacional de Educação Católica (ANEC) realizou, na última semana, a live “Laudate Deum e o Currículo da Educação Básica”. Na conversa, foram abordadas temáticas como a crise socioambiental e as consequências trazidas pelas mudanças climáticas. Os participantes argumentaram sobre a importância de uma compreensão mais profunda sobre o assunto e como são necessárias ações educativas nas escolas para proteger o planeta e seus recursos.
O diálogo foi aberto por Roberta Guedes, gerente da Câmara de Educação Básica da ANEC. Os participantes do debate foram Aleluia Heringer, doutora em Educação, diretora ASG (Ambiental, Social e Governança) da Rede Lius Agostinianos, e Mário Tito, doutor em Relações Internacionais, bacharel e mestre em Economia, licenciado em Filosofia, bacharel em Teologia e docente do curso de Relações Internacionais e do PPGC.
Já quem comandou o bate-papo, foi a Irmã Marisa Aquino, diretora 2ª secretária da ANEC, que ressaltou o quão essencial é falar sobre meio ambiente e que o assunto deve ser obrigatório nos currículos escolares.
“Ou nós cuidamos do meio ambiente, ou não sobreviveremos. Todas as formas de destruição da natureza vieram por outros caminhos e agora são as mãos humanas, [que fazem ocupação] dos espaços, o uso dos meios naturais como se eles fossem infindáveis e como se só existisse uma pessoa para consumir”, destacou a Ir. Marisa Aquino.
Em um momento de fé, antes do início da exposição de Aleluia Heringer e Mário Tito, Ir. Marisa também fez questão de relembrar o sofrimento do povo do Rio Grande do Sul, que foi afetado por uma das maiores crises ambientais da história do país.
Discutir a questão ambiental é um “gesto profético”
No início de sua fala, o professor Mário Tito comentou que debater o tema ambiental é um “gesto profético da educação católica no Brasil, na medida em que a gente faz uma denúncia de tudo aquilo que causa os desastres naturais”.
Ele ressaltou que o tema não é uma moda, se considerarmos uma perspectiva de que o meio ambiente é um sinal de Deus na vida.
O professor Mário comentou que, em sua visão, a crise não é mais ambiental, mas sim socioambiental. Essa diferenciação parte do ponto de vista do efeito que desastres naturais têm em relação a todos os tipos de populações. Nesse sentido, o professor destacou não somente os gaúchos, mas ribeirinhos que vivem na região de Santa Maria de Belém do Pará, cujos rios chegaram a secar no ano passado, por exemplo.
Utilizando referências musicais e bíblicas, ele deu um importante viés para o debate de que a Terra é a casa dos seres humanos e, por isso, ela precisa de proteção. “E eu acho que aqui vem uma relação muito forte para a educação. A educação, do ponto de vista ambiental, precisa ser uma educação para o cuidado”.
“E me parece que educação socioambiental e educação que se preocupa com o meio ambiente não é apenas a educação que se preocupa com a plantação ou com a perspectiva de cuidar dos rios, ou da floresta. É uma perspectiva de pensar tudo isso no sentido sobre o que nos faz seres humanos […] A minha perspectiva é de pensar a realidade a partir dessa transcendência, já que eu não vejo educação apenas como algo para o imanente”, argumentou.
Em mais uma reflexão essencial, o professor lembrou que não podemos pensar no desenvolvimento sustentável como se fosse uma grife, mas sim como o ato de consumirmos hoje pensando em gerações futuras, já que esse é um pensamento altamente altruísta.
A cidadania ambiental
Durante sua primeira contribuição, Mário Tito também argumentou sobre o quão essencial é tratar a educação no aspecto de cidadania ambiental. Partido da premissa de que o planeta é um lugar comum para todos, todos precisam pensar na proteção ambiental.
“[A responsabilidade da proteção ambiental] é do poder público, das estruturas políticas, da ideia do domínio das grandes corporações, sim. Mas a resistência a esse modelo depredador da natureza provém de uma cidadania ambiental, ou seja, da ideia de um comprometimento, de um cuidado da casa a partir dessa perspectiva ambiental”, destacou.
Ele afirmou que esta visão vai ao encontro do conceito do Papa Francisco sobre ecologia integral, que é uma perspectiva sobre as relações humanas com o meio ambiente e o mundo como uma coisa só.
A emergência climática
Aleluia Heringer, doutora em Educação, diretora ASG (Ambiental, Social e Governança) da Rede Lius Agostinianos, abriu seu trecho no debate comentando que basearia suas falas na última encíclica do Papa Francisco (que acrescenta a Laudato si) e as questões da escola por meio do currículo de crianças e adolescentes.
Aleluia destacou que a própria história do assunto nos dá um norte sobre como fomos reinterpretando a questão ambiental. Ela lembra que no final do século passado, os climatologistas falavam de “mudanças climáticas”. Devido à urgência da questão, o assunto passou a ser tratado mais recentemente como “ebulição climática” ou “emergência climática”.
“O significado das palavras e os sentidos são estabelecidos quando eles encontram expressão na nossa vida. Porque caso o contrário, não reverberam dentro de nós […] daí essa expressão emergência, porque logo a gente lembra da sirene do corpo de bombeiros, do Samu, que toca de forma estridente, que sai furando o sinal, passando na frente de tudo. Então a emergência é prioridade máxima e pede ação e é disso que nós estamos falando”, explicou.
Concordando com o professor Mário Tito, Aleluia falou sobre o mesmo entendimento de que meio ambiente e as pessoas são uma coisa só e que por isso não podemos achar que a tragédia gaúcha também não nos afeta.
Ela justificou este ponto lembrando que a alteração de regras ambientais ajudou a piorar a catástrofe no Sul do país, e que estas mesmas alterações foram feitas em praticamente todos os estados brasileiros, como o caso de Minas Gerais, o que deveria acender um alerta na região.
“Essa avidez destes oito bilhões de gafanhotos com ânsia de ter cada vez mais acelera processos de extração, de mineração, de garimpo, de desmatamento e de tantos outros que caracterizam esse sistema. Então nós rasgamos a Terra, para usar uma expressão de [David] Kopenawa, nós perfuramos os seus músculos, sangramos os leites dos seus rios, nós somos o corpo estranho que intoxica, que envenena, que aniquila a biodiversidade, que libera gases e elevamos a sua temperatura”.
Perspectiva ambiental na educação
Caminhando para a parte final de sua explanação, Aleluia Heringer defendeu que a educação precisa conter em si a perspectiva ambiental, senão não é educação.
Citando o físico e ambientalista Fritjof Capra, ela lembrou que “toda educação é ambiental, com a qual por inclusão ou exclusão nós vamos ensinar aos jovens que somos parte integral ou separada do mundo natural”.
De maneira prática, a doutora em Educação citou que a construção de uma educação lembrando a ecologia integral é difícil, já que ela desafia todos a rever hábitos, estilos de vida, culturas e valores muitas vezes arraigados — o que leva bastante tempo para mudar.
“E aqui, gente, tem um exercício que é pessoal e é institucional. Nós não podemos fugir das perguntas. O que tem no meu estilo de vida, no meu consumo que eu preciso rever? Se meu estilo de vida fosse replicado para toda a humanidade, quantos planetas seriam necessários?”, provocou.
Como educar sobre a questão ambiental?
Na última parte da live, Aleluia Heringer e Mário Tito responderam a dúvidas dos participantes e o principal ponto foi sobre como equilibrar a educação, no contexto escolar, para que alunos não sejam consumistas.
Aleluia começou esclarecendo ser precisar “dar bandeiras para que as pessoas não sejam rebeldes sem causa”. Ou seja, ela afirma que é preciso lembrar os estudantes que eles como indivíduos são a própria natureza e, portanto, fazem parte de todo o contexto ambiental.
“Nós esquecemos que somos primatas, que somos mamíferos, e achamos que somos outra coisa. Então a gente se afastou completamente do que somos de verdade. O nosso ar é artificial, nosso piso é artificial, tudo, tudo em volta da gente artificial. Nós perdemos a conexão com a água, com a terra, com a árvore e com os animais. E como vamos amar aquilo que a gente não conhece? Como que a gente vai cuidar daquilo que a gente não criou memória afetiva? Então se as escolas pudessem investir em tempo das crianças e dos jovens em locais onde há esse contato mais próximo com essa coisa mais rústica, você começa a despertar todos os grandes ambientalistas”, destacou.
Mário acrescentou que é preciso pensar em um modelo escolar que dê protagonismo para as crianças e os adolescentes. Concordando com Aleluia, ele exemplificou que os jovens precisam ter contato com galinhas, coelhos e outros animais e que, acima de tudo, é preciso gerar uma extensão para o conhecimento.
Citando o caso das universidades, o professor salientou que os ambientes da educação básica precisam devolver e envolver a comunidade em toda essa construção de conhecimento.
“A grande maioria [das pessoas] não conhece a bacia hidrográfica da sua região, não conhece onde o lixo é descartado, não conhece como o lixo é tratado etc. Então nos falta essa criatividade de pesquisar o CEP da casa, da escola, do meu condomínio, para saber como essas questões [urbanas] acontecem. Sem isso, as escolas acabam ficando nesta educação bancária, que ele [aluno] responde ali na prova o que você quer ouvir e isso não se transforma em atitude. A ecologia, que é uma espiritualidade ecológica, é um estilo de vida”, finalizou Mário Tito.
Imagem: banco de imagens Canva
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