RIO – Ninguém questiona a importância de um bom desempenho em Matemática ou Português, mas, no século XXI, educadores avaliam que é preciso ir além. Saber se relacionar, trabalhar em grupo e controlar as emoções se tornaram aptidões fundamentais. Por isso, especialistas vêm defendendo a disseminação de atividades de cunho socioemocional nas salas de aula. Ao mesmo tempo, diferentes entidades oferecem suporte às escolas interessadas em implementar essas práticas.
Desde o início deste ano letivo, alunos do 1º ao 5º anos do ensino fundamental de 17 escolas públicas de São Paulo que passaram a funcionar em regime integral vêm assistindo a aulas elaboradas pelo Programa Compasso. Sediada em São Paulo, a equipe por trás da inciativa desenvolveu um currículo estruturado para que competências como autoconhecimento e sociabilidade sejam ensinadas. Também foram produzidos cadernos de atividades para os alunos, além de todo um programa de formação para professores.
— Com isso, costuramos às habilidades tradicionais tópicos socioemocionais, que representam tudo o que uma criança precisa para ter sucesso não só acadêmico, mas na vida — explica a diretora-executiva do programa, Ana Luiza Colagrossi. — É o caso de jogos para exercitar o cérebro, em que as crianças trabalham a atenção e aprendem a ouvir.
O Programa Compasso será um dos estudos de caso apresentados durante o encontro internacional Educação 360, promovido pelos jornais O GLOBO e “Extra” nos dias 11 e 12 de setembro, em parceria com Sesc e prefeitura do Rio e apoio da TV Globo e do Canal Futura. Além disso, a inclusão de novas competências, como as socioemocionais, na rotina escolar será tema de uma mesa de debate do evento. Mediado pelo jornalista Antônio Gois, colunista do GLOBO, o debate reunirá o professor da Faculdade de Educação da Unicamp e doutor em Psicologia Experimental Luiz Carlos Freitas e o diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, que é um grande entusiasta do assunto.
— O Brasil despertou agora para a questão, mas as demandas estão vindo tanto de escolas públicas quanto particulares. Até porque, o mundo atual exige dos jovens habilidades que vão além das cognitivas, como resiliência, criatividade, responsabilidade — afirma Mozart Ramos. — Não basta mais aquele aluno que é brilhante, mas não sabe trabalhar em conjunto. É preciso ter capacidade de formar redes de conexões. As informações estão cada vez mais dinâmicas, e não há mais espaço para aquele sujeito que quer trabalhar isolado.
QUEDA NA INDISCIPLINA
Para trabalhar essas aptidões, o material do Programa Compasso inclui, por exemplo, fantoches dos personagens Tatu e Mico, que representam dois extremos: a timidez e o exibicionismo. Por meio deles, os professores mostram como é importante o equilíbrio entre ambos. A atividade, aliás, faz o maior sucesso entre 260 alunos da Escola Estadual Professor Alvino Bittencourt, na Chácara Califórnia, Zona Leste de São Paulo.
FOCO E DISCIPLINA. Em atividade na Escola Estadual Professor Alvino Bittencourt, em São Paulo, alunos simulam binóculos com as mãos para lembrar a importância de prestar atenção no conteúdo – Fernando Donasci / Agência O Globo
— O Tatu vive se escondendo embaixo da terra, e o Mico adora aparecer. Mostramos aos alunos o que esses comportamentos extremados proporcionam, para que possam enxergar quais os impactos de suas atitudes — conta o diretor da escola, Denys Munhoz.
Segundo ele, os resultados desses recursos aparecem logo:
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— Ensinamos até mesmo que é preciso respirar antes de revidar uma provocação. Com isso, conseguimos diminuir índices de violência verbal e física entre os estudantes, além de obter mais maturidade e atenção nas aulas.
Benefícios como esses representam algo precioso na educação brasileira. Dados divulgados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no início do ano mostraram que controlar bagunça consome 20% das horas dos professores brasileiros em sala de aula. É o maior desperdício de tempo de docentes numa lista de 33 países, cuja média é de 13%.
Criado há 18 anos, o projeto Inteligência Emocional na Escola engrossa o número de iniciativas destinadas a fomentar essa abordagem em sala de aula. Adotado atualmente em duas escolas públicas de São Paulo e em outras duas de Manaus, o programa desenvolve atividades a partir de dramatizações, filmes e jogos, nos quais as crianças praticam habilidades como autocontrole e empatia. O conteúdo é trabalhado em encontros semanais com psicólogos, e os professores são treinados para aplicar as atividades ao longo da semana.
— Em uma das escolas, o índice de indisciplina caiu de cerca de 45% para 3% em quatro anos de trabalho. Resultados como este chegam até a vida adulta, já que esses alunos viram pessoas capazes de construir relacionamentos mais saudáveis, respeitando as pessoas à sua volta — vislumbra a coordenadora do projeto, Taíssa Lukjanenko.
Para ela, o desafio agora é fazer com que o incentivo a essas habilidades ganhe mais espaço na agenda pública. Essa pauta, como avalia Taíssa, ainda está “engatinhando” no Brasil, se comparado a países como os Estados Unidos, onde tais disciplinas já são obrigatórias.
— Estamos acostumados a medir escola pelo Enem. A sociedade ainda tem a ideia de que as crianças que tiram notas altas em Português e Matemática vão ser profissionais qualificados. Mas não é bem assim — alerta.
Por meio da sua assessoria, o Ministério da Educação admite que não há uma política pública formulada sobre o assunto, considerando que o tema ainda é muito recente. A pasta, entretanto, reconhece a importância do debate.
Em Fortaleza, a Escola Estadual João Mattos também trilha um caminho em direção a essas habilidades. Diante de uma demanda de redesenho curricular apresentada pela Secretaria Estadual de Educação em 2011, a unidade desenvolveu o Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais, que integrou novas competências à grade curricular. O trabalho será apresentado como estudo de caso no seminário Educação 360 pela responsável pelo projeto e coordenadora escola, Iane Nobre.
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Ela explica que os alunos têm vivências práticas e trabalhos relacionados à pesquisa em quatro aulas semanais. Para isso, escolhem um tema para ser destrinchado ao longo do ano. No 1º ano do ensino médio, o conteúdo deve ser relacionado à escola; no 2º, à comunidade; e no 3º, ao mercado de trabalho. Enquanto desenvolvem o estudo, professores das disciplinas afins contribuem na orientação.
Segundo Iane, ainda que imensuráveis numericamente, os resultados já começaram a aparecer.
— Agora, temos uma perspectiva mais positiva quando pensamos no futuro. Nossos alunos ficaram muito mais participativos, críticos e dinâmicos. Percebo que eles estão à frente das situações — conclui.
Fonte: O GLOBO